“É você que financia essa merd@”

Esta análise estava praticamente pronta na quinta-feira, 23 de outubro. O título seria "Como o governo Lula tem fechado o cercadão para 2026".

A abordagem, positiva para o presidente e com o foco no cenário eleitoral, se valeria de quatro atos: a continuidade do efeito antipatriótico da família Bolsonaro nos EUA - e o encontro com o presidente norte-americano, Donald Trump; a possível nomeação de Jorge Messias ao STF (Supremo Tribunal Federal); a controversa, mas conveniente exploração da Foz do Amazonas; e o pacote antifacção do Ministério da Justiça, amplamente repercutido... até ser ofuscado na sexta-feira, 24.

Ainda vou tratar dos assuntos acima separadamente, mas o presidente Lula derrubou o enfoque do artigo e passou uma rasteira em sua própria tranquilidade. Olha o que ele disse:

“Toda vez que a gente fala de combater as drogas, possivelmente, fosse mais fácil a gente combater os nossos viciados internamente, os usuários. Os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também", disse Lula.

Dá para explicar de diversas formas a gafe: os EUA são um grande mercado do tráfico de drogas. Mas não há nenhuma força de vontade para tal numa polarização tão competitiva e acirrada. A palavra "vítima" é muito forte no contexto. O enquadramento reforça um imaginário moral (não importa, neste caso, se falso ou verdadeiro) de que a esquerda é conivente com a bandidagem, em contrapartida a uma direita rígida e implacável.

Certamente, os deputados Nikolas Ferreira e Sóstenes Cavalcante gritaram um efusivo "sextou". Imediatamente, trataram de movimentar suas bases engajadas para aproveitar o presente.

Afinal, as pesquisas apontam insistentemente: “Segurança Pública é a maior preocupação dos brasileiros”. Segundo balanço da Quaest deste mês (outubro de 2025), a violência é o tema que mais preocupa 30% da população do país, à frente dos tópicos problemas sociais (18%), economia (16%), corrupção (14%) e saúde (11%).

Pode ser até o Lula. Na comunicação política não há espaço para improviso, ainda mais nesta era digital.

Pacote antifacção

A frase do presidente já está anotada no caderninho de maldade da oposição e certamente perdurará no jogo eleitoral. Não fosse dita, seria uma semana perfeita para o petista. O Ministério da Justiça entregou um conjunto de medidas, chamada de “pacote antifacção”, para endurecer o combate ao crime organizado no país. Exatamente uma afirmação de que, sim, o governo combate o crime com rigor e organização.

O projeto, entre outros dispositivos, cria a “organização criminosa qualificada”, com pena de 8 a 15 anos de prisão para grupos que tentem controlar territórios e atividades econômicas, via “violência e ameaça”. Também aumenta a pena para até 30 anos se houver homicídio em favor da “organização”.

Os dois exemplos são medidas quase que inefetivas para combater uma facção complexa como o PCC, por exemplo, que não funciona no modelo hierárquico. É um sociedade do crime secreta que sobrevive da apologia a um código de conduta e se renova facilmente, independentemente da prisão de quaisquer nomes. No Brasil real, há inúmeros lugares onde o Estado não chega.

De todo modo, o lançamento do pacote é um primeiro passo para aumentar o foco no assunto. E passa (ou passaria) a percepção de enfrentamento.

Messias

A aposentadoria do ministro do STF Luís Roberto Barroso foi uma benção para Lula, caso as intenções do presidente se concretizem. Ciente de que precisa ampliar o diálogo com os evangélicos, o petista pretende anunciar o protestante Jorge Messias, advogado-geral da União, para o cargo.

A movimentação em torno desse processo tem sido tão fundamental quanto a indicação. Ao lado de Messias, Lula recebeu e orou no Palácio do Planalto com um bispo evangélico, como noticiado pela imprensa. Mas não qualquer um. Samuel Ferreira (o bispo), registrou o sociólogo Juliano Spyer na Folha de S.Paulo, é uma das principais lideranças da Assembleia de Deus, a maior igreja do país depois da católica.

É a mesma organização de Silas Malafaia, a principal pentecostal do Brasil. No censo de 2010, contava com 12 milhões de integrantes. Lula, portanto, está ocupando espaço na tentativa de desbolsonarizar as igrejas.

Em 2022, Jair Messias teve 69% dos votos evangélicos contra 31% do atual presidente. Dificilmente haverá uma reversão desses números na disputa entre Lula e um candidato conservador. Mas o mínimo, numa polarização tão competitiva, já é muito.

Ainda falta um oceano para a esquerda se entender com os evangélicos, bem como para a política vencer o desafio de comunicar sem instrumentalizar a fé. Mas foi um movimento significativo.

Trump Day

Eduardo Bolsonaro mirou na anistia e acertou no tarifaço, descompasso que tem rendido frutos ao presidente Lula. O movimento do 03 o fez perder a pátria do slogan direitista favorito, e encorajou a esquerda a vestir a camisa verde e amarela e o boné azul da soberania.

O resultado foi a “química” entre Lula e Trump e um encontro na Malásia neste domingo, 26 de outubro, com aperto de mão e sorriso. Além de notas como a da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que celebrou o diálogo entre os dois presidentes.

Neoextrativismo

“Deixa o petróleo do lugar, que Deus botou no fundo do mar”. Este é um trecho de uma marchinha carnavalesca entoada há anos pelo “Bloco Surpresa”, tradicional puxador da folia na Barra do Jucu, bairro de Vila Velha, no ES.

Mas não. Ninguém quer deixar o petróleo no lugar. E a Petrobras, às vésperas da COP30, foi autorizada pelo Ibama a perfurar um poço exploratório no bloco FZA-M-059, localizado em águas profundas do Amapá, a 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas.

O mundo parece caminhar para uma compreensão neoextrativista que retarda a transição energética sustentável. Com exceção dos ambientalistas, a exploração na Bacia da Foz do Amazonas deve caminhar para uma “autorização” pela opinião pública. Mas a incoerência não passou ilesa. Segundo a Quaest, menções negativas à COP30 passaram de 28% para 31% após o Ibama chancelar a exploração no Amapá.

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As habilidades para futuro e a influência na política